Sonhos de uma mente desperta
Textos inspirados em sonhos (meus e de outras pessoas).
PROFUNDEZA
Nós sabemos de coisas que nunca experimentamos.
Tem gosto de “cabo de guarda-chuva”.
Nós lembramos de sensações imaginárias.
Está “quente como o inferno”.
É por isso que eu posso lhe dizer: pesa sobre mim o montante de um oceano. Essa massa invisível não é sólida. É líquida e fria. Não dói sobre meu corpo, como uma carga de concreto, mas me imobiliza tanto quanto se fosse.
Permaneço deitado, com um oceano inexistente sobre mim. Até mesmo abrir os olhos é uma tarefa árdua. E ingrata. Pois pouca luz chega à profundidade em que me encontro.
Não estou, no entanto, no fundo do poço. Flutuo no meio, entre a superfície e o limite profundo. Na calmaria de um sufocar constante, invisível, inodoro, inaudível. Isso é ainda mais impotente do que estar no fundo, chorando lágrimas que apenas aumentam o volume de água. Pois não posso me manifestar com a ênfase de um afogado. Estou no meio. Vão dizer que estou fazendo manha. Que só preciso parar de flutuar. Que é coisa da minha cabeça.
E é. Essa bela metáfora de azul escuro está me matando.
Permaneço deitado e namoro esse oceano.
MESA
Existe um banquete.
Não. Existe uma mesa.
Sobre a mesa, não vejo nada além dos pratos e dos talheres. Logo, não posso chamar de banquete. Mas há uma mesa, isso eu sei.
Ela se estende para ambos os lados infinitamente. Pelo menos, assim me parece, pois o ambiente é escuro e pouco vejo. Estamos na penumbra.
Tão longa quando a mesa, é a linha de pessoas sentadas, em ambos os lados, comendo em silêncio. Todos levam os talheres à boca sem trocarem olhares, fitando apenas o próprio prato. Pareço ser o único que olha ao redor e, por isso, não consigo me lembrar o que estou comendo. De certa forma, sinto que nossas refeições são idênticas. Sinto.
Por causa da penumbra, não consigo afirmar se as pessoas ao meu redor são familiares, amigos ou total desconhecidos.
Esqueci de comentar: acho que não sou o único que observa. Em breves momentos, vejo vultos andando atrás da linha de pessoas sentadas do outro lado da mesa. Não sei se há alguém andando atrás do meu lado, mas acho que sim. Acho.
Uma sombra cobre a minha memória e a minha certeza.
O que eu sei?
O que eu sei, afinal, sobre a mesa e seus ocupantes?
Eu sei que está lá.
Nos momentos de cansaço, quando meus olhos se fecham aos poucos, lá está a mesa.
E lá estamos todos, sentados, comendo, sem vermos os outros, sem sabermos quem nos serve. A refeição continua para todos os que já foram e todos os que serão.
É só isso que eu sei.