Eu ouvi você falar abertamente na mesa de bar, sem nenhuma inibição, que “esse tipinho aí, tem que morrer”
Foi um triste momento de realização de que eu não estava mais entre amigos, eu estava entre estranhos
Não desconhecidos, porque as faces ainda são familiares e as horas de diversão continuam uma boa memória que eu tenho de você
O que soou estranho foi a sua facilidade em relativizar o valor de uma vida, em traçar uma linha, na sua cabeça tão nítida, e decretar “daqui pra lá, pode matar”
Você diz que é contra a corrupção e que quer um país melhor, eu também, mas será que não dá para alcançar esse fim sem meios que sejam justificar a morte de alguém?
Sem fazer descaso de um assassinato ou uma violência, só porque o sangue era de negro, de mulher ou de gay
Eu também sofro, você diz e eu sei, não vou desmerecer os maus bocados que você teve que passar, não vou dizer que sua dor vale menos
Mas me assusta, quando pra garantir a sua segurança, economia e alegria, você decide sacrificar outros sem culpa
Porque outros, é um termo vago. E o mundo nunca vai ser perfeito, sempre vai haver um novo problema, uma nova crise, e se a cada dilema você concordar que existe um tipinho que vale a pena descartar
Quanto tempo, quanto tempo até a minha vez chegar?
Você diz que nós somos amigos
e eu acredito que na sua mente, hoje, nós somos iguais
Porém, você também demonstra que uma vida só recebe seu respeito se ela for útil, para o seu conforto, para a sua vingança, para o seu sistema
que um voto, um amor, uma cor, só serão respeitados se estiverem de acordo com o que você considera adequado
Perder amizade por causa de política? Não, claro que não
O que eu perdi foi a confiança de que você vai respeitar o meu direito de existir.
E sem isso, não há mais amigo
Eu te vejo por aí.