INTERIOR DE UMA CELA. PRISIONEIRO 1 É JOGADO PARA DENTRO.
PRISIONEIRO 1 (gritando para os guardas): Seus corruptos! Marionetes do estado!
PRISIONEIRO 2 SE APROXIMA E RECOSTA NA PAREDE
PRISIONEIRO 2 (sem olhar diretamente): Qué papel?
PRISIONEIRO 1: Oi?
PRISIONEIRO 2: Oi. Qué papel?
PRISIONEIRO 1: Papel?!
PRISIONEIRO 2: É, papel! Bateram na sua cabeça? Tenho sulfite, reciclado, cuchê… Tó, a primeira folha é grátis. Sente a gramatura, é de qualidade. Mas eu tô sacando que você é playboy, deve gostar de um papel ostentação. Eu tenho uns esquemas com uns guardas, consigo para você um pólen de primeira, papel que valoriza o texto.
PRISIONEIRO 1: Texto? Que texto?
PRISIONEIRO 2: Aí é outro departamento. Qué inspiração? Fala com aquela mina ali, aquela grandona que tá conversando com o Boécio. Não sei como ela consegue, nem como ela entrou aqui, mas dizem que o barato dela é coisa boa. Ela promete assunto pra vários livros.
PRISIONEIRO 1: Eu não vou escrever um livro. Eu nem vou ficar aqui. Me pegaram de laranja no protesto, mas eles não têm o direito de me deixar aqui por muito tempo!
PRISIONEIRO 2: Isso não é desculpa pra ficar parado! Olha o Turô, vai passar só uma noite aqui e já tá na página trinta e pouco. Todo mundo que tá aqui comprou meu papel e tá usando pra criticar o mundo, pra iluminar os outros; menos aqueles dois alemão ali no canto, dali não vem coisa boa. Essa é a sua chance de deixar uma marca. Pega esse papel e escreve, mostre ao mundo que a juventude sabe o que quer. Eu fui com a sua cara, então o lápis é grátis, mas o papel cê vai ter que pagar…
PRISIONEIRO 1: Eu estou sem nada. Eles pegaram tudo.
PRISIONEIRO 2: E esse tênis aí?
PRISIONEIRO 1 ENTREGA O PAR DE TÊNIS E RECEBE PAPEL E LÁPIS. ELE SE PREPARA PARA ESCREVER, MAS OLHA PARA A FOLHA EM BRANCO POR ALGUNS SEGUNDOS E FINALMENTE VIRA PARA O PRISIONEIRO 2.
PRISIONEIRO 1: Revolução é com um “s” ou dois?
FIM DA CENA
Esse texto faz parte da série “Diálogos: ou como conversar com o martelo”. Uma série de cenas curtas inspiradas em obras de filosofia. Não são explicações de conceitos. São meramente personagens gritando, conversando e sussurrando sobre os mesmos assuntos que os filósofos famosos.